Sou só o cara deitado na calçada tomando chuva, pra sempre...

Primeiro você fica transtornado. Procura algo que seja fácil de ajudar com a confusão. Um copo cheio de jack - vindo da única garrafa que você conseguiu comprar - um maço de luckies. Anda pela casa levantando os braços e rindo de si mesmo, numa tentativa de se amaldiçoar e expor um pouco de tudo que sente. Abre a janela da sala e olhando as luzes dos prédios que iluminam o horizonte pensa tanta gente morando empilhada. Parece um tanto cômico.

Fica em pé o tempo inteiro, pois sentar ou deitar apenas faz de você um alvo mais fácil.

Tenta inutilmente escolher algo pra escutar, como se na voz de Sam Cooke residisse uma espécie de redenção expressa, sempre disponível. Não há ajuda, Sam não liga pra você. Ele pode te ajudar de outra forma, mas não agora, não assim.

Você procura casa. A pegadinha é que casa é onde você está, e onde você está não parece um lugar bom no momento. Resolve sair, passa o olho nos contatos do celular e encontra um amigo disponível para te ver naquele estado. Ele entende. Vai para uma festa num apartamento grande e fica na cozinha, conversando sobre a Monica Bellucci.

A festa vai enchendo e você se esconde na área de serviço, onde uma janela imensa aberta provém nenhum tipo de vento. Há uma enorme parede invisível entre você e o conforto de uma brisa qualquer. Decide parar de falar com as pessoas. Decide parar de falar consigo mesmo. Já deu, né.

Voltando pra casa depois de lentamente andar por entre aquele monte de gente na saída festa e resolve parar no primeiro lugar que venda algum tipo de comida. Não é fome, apenas o ato de dar a si mesmo algum conforto que o leva a um supermercado em plena madrugada. Coisas de São Paulo. Sempre algo aberto pra te vender algo. Caminha pelos corredores iluminados e.

Segundo, você acorda no sofá da sala com sol entrando pelas persianas. Hair of the dog it is, pensa alto, alto demais - como que falando pra um amigo que ficou numa cidade distante. Passa o dia escutando T-Bone Walker, porque ele ajuda dessa vez. Já passou um pouco de transtorno, pensamentos estão alinhados e prontos para serem passados um a um num loop infinito que não vai desligar tão cedo. Reações como abrir o email e digitar no subject algo como desculpa acontecem o tempo todo.

Diabos, até mesmo pegar o celular e encontrar o número e discar e deixar o intervalo imenso entre o dial e o primeiro toque parece ser um refúgio válido. Daí desliga. Falta algo. Não é bem coragem. Não é hombridade. Não é cara-de-pau. Você bem sabe que disso ainda tem muito.

Dorme no sofá, acorda num grito mudo besta. Encontra um amigo online pra passar tudo a limpo, pensando que se escrever tudo ou falar alto vai adiantar algo. Nunca adianta, mas é uma necessidade tão urgente e idiota que você faz isso com quem pode. Talvez nem com um amigo.

Terceiro, dorme mais no sofá. Tem medo de fazer o caminho da sala até o quarto e despencar no colchão macio. Não assume esse medo de forma alguma, afinal, é uma luta. Decide que o sofá, pequeno demais pro tamanho do corpo cansado, é uma punição válida. E não dorme bem, acorda caindo várias vezes durante longas horas. Passa frio e se enrola e cai pateticamente. O quarto nem parece uma opção mais.

O ato contínuo de dormir e acordar é similar a um flashback descontrolado numa série de televisão. A linha de pensamento começa no sono e rasga a mente até te acordar num pequeno tremor e não te larga mais.

Não caminha mais pela casa, essa parte já acabou. Agora os movimentos são lentos e mínimos. Se esticar muito o braço é capaz de encostar em algo indesejado. Delira com John Constantine dizendo todas aquelas frases que você decorou, na esperança de que, de que, bem, na esperança.

Quarto, escreve. Apaga tudo depois de uma hora. Escreve mais, apaga tudo. Daí escreve tudo outra vez. Encontra online - em diversas redes sociais disponíveis no maravilhoso mundo virtual - a dor dela espalhada. Cada fragmento de ódio e dor é uma porta batendo com força num prédio gigante e vazio, cheio de pedaços de papel voando. Parece uma cena de resident evil, um cenário hostil e cheio de corredores longos com malditas portas e portas a serem abertas lentamente.

Quinto. Escreve pra ela e aperta o send sem olhar o que acabou de redigir. Sem esperar resposta. Você escuta a única música possível pros dias que virão. Pode ser desde um disco do Anthrax gentilmente indicado por um irmão. Pode ser um blues difícil de escutar que lhe foi dado por outro irmão. A música ajuda cada vez mais. As reações bestas começam a partir pra um outro nível, mais embaraçoso. Apaga tudo o que der e nega o possível. Mas você está sendo infantil demais. A semana que se abre é abraçada. Vamos, você pensa, não há tempo a perder.

E sexto, você repete desde o primeiro, alternando em versões modificadas tudo que já fez. E repete. Não tem conserto, mas tem a opção de seguir adiante. Ora se não é uma grande opção. Melhor você entender tudo agora e agir de acordo. O inverno foi até embora, você pensa. Não vai ser tão difícil dessa vez.

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